In verso

Luis Carlinhos - In Verso

Durante uma boa parte da Copa do Mundo 2014 estive fora do Brasil para fazer alguns shows na Irlanda e na Itália. Voltei exatamente no dia do fatídico jogo contra a Alemanha. Até então, tinha visto os jogos da seleção em pubs irlandeses e trattoriasitalianas; por sinal, ambos superanimados. Não foi a primeira vez que saí do país em tempos de Copa. Em 2006, fui para o Líbano acompanhando um grupo de dançarinas e me apresentei durante todo o torneio num hotel de luxo em Beirute. Mas, agora, havia algo especial, o país do futebol sediava, pela segunda vez na história, uma Copa do Mundo, ou melhor, aquela que estava sendo chamada de A Copa das Copas.

Como as minhas apresentações musicais quase nunca são voltadas para festividades e bailes (às vezes lamento que não), acreditava que o cenário do Rio de Janeiro não seria o mais favorável. Assim, após os convites para um festival em Dublin, outro em Matera e, ainda, para uma apresentação em uma casa noturna de Milão, peguei o meu violão e meus acessórios de show, convidei a minha esposa e parti para o velho mundo, a fim de levar, tranqüilo e esperançoso, o meu som. 

- Todo trabalho é trabalho, como diz com sabedoria o meu amigo Waltinho. No entanto, eu me perguntava, íntima e silenciosamente, o que despertara em mim essa vontade de sair daqui quando, na verdade, o mundo inteiro se voltava ou vinha para cá. Seria uma angústia incontida, gerada pela contradição de realizarmos uma Copa com gastos inoportunos e desproporcionais, diante dos habituais investimentos pífios em educação e saúde em nosso país? Seria, talvez, uma frustração pessoal pelo fato de não me adequar musicalmente ao momento, por não sentir a necessidade de montar uma big band pronta para animar, badalar, fazer o público saltitar efusivamente nas comemorações dos jogos? Ou, algo mais simples, o desejo vital de mostrar para outros povos o que sei e mais gosto de fazer, ou seja, tocar e cantar minhas músicas? Pode ser que a resposta esteja em cada uma das três indagações. De qualquer maneira, o importante é que, por essas e por outras, aceitei os convites e viajei.

Curiosamente, o que eu mais ouvi dos irlandeses e italianos que conheci foi a pergunta estarrecida: - mas como você está aqui se todos estão lá? Minha resposta era quase sempre singela: - pois é, estou a trabalho, sou músico e vim me apresentar na cidade de vocês. Em seguida, pensava comigo mesmo que era verdade, estava no caminho inverso, vinha no contrafluxo, no fundo talvez fosse uma loucura! Porém, sem saber de imediato, de modo inconsciente, estar nesse contrafluxo era justamente o que eu procurava. Era a hora de (re) ver com olhos livres tanto o meu fazer artístico quanto a realidade do Brasil e do (Velho) mundo. Isso parece óbvio, mas é bom não esquecer que muitas das leituras fundamentais de nossa cultura vieram de brasileiros que saíram do país para (re) conhecê-lo sob outra perspectiva. Idéia que pode ser aplicada, sem prejuízo, para uma (re) visão da produção particular de cada artista, cada criador.

E isso, em mim, estava latente. Me apresentar, seja num pub irlandês tradicional, seja num monastério em ruínas do Séc XV no sul da Itália, para um público que não tinha praticamente nenhuma informação sobre o meu trabalho - afora o fato vago de se tratar de mais um músico brasileiro, o que nunca é pouco, nem menos – e sentir, como retorno, o encantamento da resposta positiva, me deslocou e, ao mesmo tempo, reafirmou o artista e comunicador que me proponho a ser. Nessa hora vemos que a língua não é barreira, e que a música e o gesto são trampolins universais para a nossa expressividade mais particular.

De fato, havia, no ar, uma fina sintonia entre as coisas. Para ilustrar isso, durante a viagem terminei de trabalhar uma música nova, iniciada ainda em terras brasileiras com o meu parceiro Gabriel Pondé, chamada "Inverso", cujos versos desdobram, entre outras coisas, a temática das aventuras na contracorrente: "se o passo certo for correr perigo/ se o nosso abrigo for a céu aberto/ e se a loucura for o nosso juízo/ entre a dor e a doçura/ vivo do seu veneno/ e sofro da sua cura/ se a rua não tem saída/ eu sigo na contramão". E mais: "se o mundo é grande, pra que pensar tão pequeno amor/ se cabe tudo que eu levo aqui dentro/ até o que não faz sentido/ cabe no meu sentimento". Agora, de volta, o projeto é gravar e lançar essa música, com a certeza de que o caminho, no fluxo ou no contrafluxo, se transbordar de vida, vale a pena.